quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DIREITO DAS COISAS - DA SUPERFÍCIE

PARECER TÉCNICO JURÍDICO (trabalho de faculdade).

DIREITO CIVIL. DIREITO DE SUPERFÍCIE. CONFLITO DE TEMPO. PRAZO DETERMINADO OU PRAZO INDETERMINADO. PRINCÍPIO DA LEI POSTERIOR.
1. Conforme art. 2º, §1º da LICC, lei posterior revoga a lei anterior.
2. O Enunciado 249 reforça a idéia trazida pelo Código Civil de que o tempo para o direito de superfície é determinado.

Relatório

Surgiu um questionamento interessante em relação ao tempo previsto para o direito de superfície. O art. 1.369 do Código Civil estabelece tempo determinado para concessão do direito de construir ou plantar em solo alheio. Já o art. 21 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) prevê tanto o tempo determinado como o tempo indeterminado. De início, se visualizou uma solução fácil, pois o Código Civil foi publicado em 10.01.2002 e a Lei 10.257/2001 em 10.07.2001. Desta forma, lei posterior revoga a lei anterior no que for contrária. Nesse sentido deveria prevalecer o disposto no art. 1.369 do Código Civil. Entretanto, surge o Enunciado 93 da Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, realizado de 11 a 13.09.2002. Nesse enunciado, para complicar com o ordenamento jurídico, foi estabelecido que as normas do Código Civil sobre direito de superfície não revogam as relativas do Estatuto da Cidade.
E agora, o direito de superfície é por tempo determinado ou indeterminado?
Diante do exposto, passa-se à exposição do parecer.

Considerações Preliminares

Ab initio, no intuito de melhor esclarecer a matéria, impende transcrever os dispositivos em comento:

Art. 1.369 do CC – o proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Art. 21 da Lei 10.257/2001 - O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

Enunciado 93 – Jornada de Direito Civil – Conselho da Justiça Federal – “as normas previstas no CC sobre direito de superfície não revogam as relativas a direito de superfície constantes no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) por ser instrumento de política de desenvolvimento urbano.”

Nota-se que o tema é complexo e demandaria um estudo bem mais aprofundado. Contudo, o objetivo aqui é, resumidamente, trazer uma opinião acadêmica sobre a matéria. Com isso, sendo o mais objetivo possível, darei minha posição em relação ao tempo em ser determinado ou indeterminado no direito de superfície.
Inicialmente, é bom lembrar que o parágrafo primeiro do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) traz expressamente que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Para alguns, tal dispositivo confirma o princípio da lei posterior.
Também é importante frisar, que no ordenamento jurídico existe uma hierarquia de leis, onde uma lei superior prevalece sobe uma lei de hierarquia inferior. Por fim, tem-se o critério da especialidade, onde uma lei especial pode revogar uma lei geral.
No caso em comento, o Código Civil é lei posterior, portanto, revogaria a lei anterior, pois este regula de forma completa a matéria do direito de superfície. Em relação a hierarquia, tanto o Código Civil como a Lei 10.257/2001 são leis ordinárias, mesma hierarquia. Porém, o Código Civil é norma geral. Penso que normas gerais devem apresentar maior força de aplicabilidade do que as regras específicas, logo, o Código Civil prevalece sobre o Estatuto da cidade. Tem-se ainda, que a lei 10.257/2001 é lei especial, entretanto, isso não quer significar que norma especial revogue a norma geral. Esse seria um primeiro pensamento. Todavia, o Enunciado 93 não pensa assim.
Agora, segundo a doutrina pesquisada, Francisco Eduardo Loureiro, escreve:

“ao contrário de determinados modelos legislativos, o artigo em exame deixa explícito que o direito de superfície é temporário e, mais, por tempo determinado. A regra é cogente, não havendo direito de superfície perpétuo, constituindo fraude à lei a cláusula estabelecendo-o por prazo tão longo que equivalha, em seus efeitos, à perpetuidade
[1].”

Ou seja, o art. 1.369 do Código Civil impõe o tempo determinado para vigência do direito de superfície. Por isso, em sintonia com o pensamento do doutrinador exposto acima, vale a pena destacar outro Enunciado. Enunciado que também foi firmado posteriormente ao Enunciado 93. Trata-se do Enunciado 249 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal realizado nos dias 02 e 03.12.2004. Transcreve-se:

Enunciado 249 – III Jornada de Direito Civil – Conselho da Justiça Federal – “a propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto de direitos reais de gozo e de garantia, cujo o prazo não exceda a duração da concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.474.”

Ora, claramente dispõem o Enunciado uma duração de tempo ao direito de propriedade superficiária, ou seja, esse direito não pode exceder a um prazo de duração, logo, entende-se que o direito de superfície não deve ser perpétuo, sendo assim, possui tempo determinado.
Além do mais, o Enunciado 93 é de 2002 e o Enunciado 249 é de 2004. Mais uma vez, analogicamente, o Enunciado posterior prevalece sobre o Enunciado anterior no que conflitar ou reforçar.
Presume-se que o Enunciado 93, ao ser criado, não se atentou ao tempo determinado previsto no Código Civil e ao tempo indeterminado disposto no art. 21 do Estatuto da Cidade. Sua intenção foi garantir que as normas supervenientes do Estatuto da Cidade, por serem normas de interesse local e de desenvolvimento urbano, deveriam permanecer em vigor, já que na época se cogitava revogar tal lei. Por isso, o Enunciado 249, elaborado, praticamente, dois anos mais tarde, veio para dar mais força a idéia do tempo previsto para o direito de superfície, ou melhor, este Enunciado reafirmou a previsão de tempo determinado que o art. 1.369 do Código Civil previa.
Por fim, não se pode esquecer que o direito de superfície é também um negócio jurídico firmado entre duas partes. Sendo assim, o negócio jurídico só se torna válido se tiver um agente capaz, um objeto lícito, possível, determinado ou determinável e acima de tudo, obedecer a forma prescrita ou não defesa em lei. Diante disso, é imprescindível a todo negócio jurídico a observância dos requisitos dispostos na lei, pois uma vez não atendidos tais requisitos, o negócio jurídico torna-se nulo, segundo o art. 166, IV do Código Civil, in verbis:

Art. 166 – é nulo o negócio jurídico quando:
IV – não revestir a forma prescrita em lei.

Conclusão

Ante o exposto, que o tempo previsto para conceder um direito de superfície deva ser determinado, pois não se pode conceder a idéia de um direito perpétuo numa sociedade que evolui. Admitir tal pretensão (tempo indeterminado), é imaginar que nossa sociedade sempre será a mesma, sem progressão. Nesse sentido o direito deve ser um vetor que impulsiona o desenvolvimento e progresso da sociedade, contribuindo para que ela se torne cada vez melhor e mais justa.

Este é o parecer, salvo melhor juízo.

Blumenau (SC), 4 de agosto de 2010.

Jelson Styburski
Parecerista
OAB/SC 8094-E

[1] LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 2º Ed. Ver. e atual. Coordenador Min. Cezar Peluso. São Paulo: Manole, 2009. p 1.384.

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