sábado, 20 de agosto de 2011

Legítima defesa putativa

Questão: Astrogildo está na sala de sua casa assistindo televisão, quando seu amigo entra em casa pela porta dos fundos. Astrogildo, pensando ser um assaltante, efetua três disparos de arma de fogo contra a pessoa, certo de que está praticando uma ação amparada por legítima defesa. Astrogildo responderá por crime?
Como defensor do Astrogildo, recorro a tese da legítima defesa putativa, ou seja, “assim age quem, para defender sua casa, faz disparo contra pessoa que supõe ser ladrão (TACrSP, Julgados 87/190; TJSP, RF 265/354; TJRO, RT 715/506).” (DELMANTO, 2007)
No caso narrado, Astrogildo, pensando tratar-se de um assaltante, desencadeou uma reação humana, supondo estar agindo em legítima defesa. Nesse sentido, frisa-se que a reação humana não pode ser medida com um transferidor, milimetricamente ou com matemática proporcionalidade, por se tratar de um ato instintivo, escreve DELMANTO. Assim, Astrogildo supôs, mesmo que erradamente, que estava agindo em legítima defesa diante de uma condição de fato que o motivou a praticar a excepcional conduta. Vale lembrar, que a legítima defesa putativa, associa-se as descriminantes putativas elencadas no §1º, do art. 20, do CP.
O referido dispositivo legal (§1º, do art. 20, do CP ) isenta de pena quem, por erro plenamente justificável, supõe situação de fato que, se ela existisse, tornaria a ação legítima. Explica DELMANTO que, “por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe estar agindo de acordo com uma dessas causas que excluem a ilicitude.” E no caso, Astrogildo agiu certo de que estava praticando uma ação amparada pela legítima defesa.
Importa frisar que, considera-se crime o fato típico, antijurídico e culpável. No caso em tela, tem-se um fato típico (art. 121, CP – matar alguém), é culpável. Contudo há uma das causas de excludentes de ilicitude que acaba afastando a antijuridicidade. Ora, deixando de existir um desses elementos (fato típico, antijurídico e culpável) não há que se falar em crime.   
Diante disso, utilizando-se da teoria finalista que define crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável, entendo que Astrogildo não merece responder por crime de homicídio no caso narrado, pois está-se frente a uma excludente de ilicitude prevista em lei (art. 25 c/c o §1º, do art. 20, ambos do Código Penal).  Quando muito, este deverá responder pelo crime de disparo de arma de fogo, uma vez preenchida a tipificação exarada no art. 15, da lei 10.826/2003.
Esse é meu entendimento, salvo melhor juízo.
Blumenau, 20 de agosto de 2011.
Jelson Styburski

sábado, 13 de agosto de 2011

É cabível a interpretação analógica no Direito Penal?

Sim. A interpretação analógica é possível no Direito Penal.
A confusão reside na terminologia das palavras. Explico. Para Celso Delmanto, a expressão 'interpretação analógica' vem sendo utilizada de maneira equivocada, pois os métodos de interpretação da norma legal são: gramatical, lógico, sistemático, histórico, teleológico, sociológico. Desses métodos de interpretação pode-se obter resultados de forma declarativa, restritiva e extensiva. Por isso, o ideal é a utilização da expressão 'interpretação [...] com efeitos extensivos'.
Essa interpretação ocorre quando existe uma norma legal, porém que não esclarece todas as situações que estão abrangidas na tipificação. Exemplo: o art. 171, do CP, tipifica o crime de estelionato como aquele em que o indivíduo obtem para si ou para outrem vantagem ilícita, em pejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante  artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A expressão 'qualquer outro meio fraudulento" não esclarece quais são esses 'meios' a que o legislador se referiu. Faz-se necessário a utilização de um dos métodos de interpretação com efeito extensivo para complementar o que o legislador disse de menos.
Já a analogia é aplicada quando existe uma lacuna na lei, ou seja, uma hipótese que não se encontra prevista em nenhum dispositivo legal. Nesse caso, o art. 4º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, prevê a possibilidade do uso da analogia. Entretanto, para o Direito Penal, em respeito ao princípio da legalidade ou princípio da reserva legal, não há crime sem lei que o preveja. Desta forma, é vedado o uso da analogia para tipificar condutas incriminadoras. Contudo, pode-se fazer uso da analogia para favorecer a liberdade da pessoa (princípio geral de direito do favor libertatis). Essa é a conhecida analogia in bonam partem.
No HC 48228/PB o STJ entendeu que "a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito." Essa possibilidade vem descrita no art. 3º, do CPP.
Enfim, a interpretação com efeitos extensivos é possível quando da incompletude de um texto de norma  legal, utilize-se de uma formúla genérica, que interpretará de acordo com casos anterios. Enquanto que a analogia é aplicável nos casos de lacuna da lei, ou seja, não existe nenhuma norma regulando o assunto. Esse é meu entendimento, salvo melhor juízo.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Conflito de competência

Sérgio Pinto Martins define que “competência é a determinação jurisdicional atribuída pela Constituição ou pela lei a um determinado órgão

Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite escreve que,
“somente as contribuições previdenciárias declaradas expressamente pelas sentenças trabalhistas é que são da competência da Justiça do Trabalho. A contrário sensu, isso quer dizer que a execução de débitos previdenciários, que deveriam ter sido recolhidos durante a vigência do contrato de trabalho e que não integram a sentença trabalhista, continua sob a alçada da Justiça Federal
Inclusive esse tema já foi julgado pelo STF no RE 569.056 num julgamento de Repercussão Geral julgado 11.09.2008. Colhe-se a Ementa:
EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. 1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir. 2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido. (STF – RE 569.056/PA. Rel. Min. Menezes Direito. Órgão Julgador: Tribunal Pleno, j. 11.09.2008).

Inclusive, com a edição da lei n. 11.457/2007, o parágrafo único do art. 876 da CLT foi modificado pelo art. 42 desta lei. Transcreve-se:
Observa-se também que nos dois Acórdão anexados, que ambos são unânimes em frisar que em relação as contribuições previdenciárias a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar à execução das contribuições previdenciárias, quando já houver sentenças condenatórias ou acordo homologado. Com isso, o entendimento passa a respeitar o disposto na Constituição, art. 144, VIII, que também menciona que a execução das contribuições previdenciárias serão de competência da Justiça do trabalho quando decorrerem de sentenças proferidas pela mesma Justiça do Trabalho.
Vale lembrar, que a sentença que reconhece o vínculo empregatício tem caráter declaratório, já a sentença que cobra as contribuições não recolhidas tem caráter condenatório, ou seja, são efeitos diversos em cada processo.

Também o STJ, recentemente se manifestou nesses termos. Colhe-se trecho do voto do Min. Luiz Fux, atualmente presidente da comissão responsável pela elaboração do projeto para o novo CPC:
"A competência da Justiça do Trabalho, conferida pelo §3º do art. 114 da Constituição Federal, para executar, de ofício, as contribuições sociais que prevê, decorre de norma de exceção, a ser interpretada restritivamente. Nela está abrangida apenas a execução de contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos efetuados em decorrência de sentenças proferidas pelo Juízo Trabalhista, única suscetível de ser desencadeada ‘de ofício”. (STJ – Conflito de competência n. 2009.0191609-0. Rel. Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Sessão, j. 24.02.2010).

Finalizando, cito as palavras de Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich, que lembra que “as contribuições previdenciárias têm natureza para-fiscal e, portanto, tributária
Nas leituras realizadas, descobre-se que a matéria ainda gera controvérsias, contudo, existe uma esperança de que o STF pacifique os entendimentos através da criação de uma Súmula Vinculante. Até não ser editada esta Súmula, poderá existir juízes com entendimentos diversos e até mesmo tribunais superiores.
No livro do Carlos Henrique Bezerra Leite, o doutrinador explica que recentemente a Terceira Turma do TST, no recurso de revista RR-1119/99, “alargou a competência do Justiça do Trabalho, determinando o pagamento das contribuições previdenciárias quando o processo trabalhista acarretar o reconhecimento de vínculo de emprego[4].” Inclusive cita trechos do voto do juiz convocado Alberto Bresciani que entendeu pois “o pagamento das contribuições sociais e conseqüentemente reconhecimento previdenciário do tempo de serviço são de fundamental importância para quem, contrastando o propósito irregular do mau pagador, vê reconhecida a existência de contrato individual de trabalho” (LEITE, 2008. p 261).
A Suprema Corte Trabalhista fundou-se no art. 114, §3º, VIII Ca CF/88 c/c o Decreto n. 3.048/99. E mais “se da decisão resultar reconhecimento de vínculo empregatício, deverão ser exigidas as contribuições, tanto do empregador como do reclamante (trabalhador), para todo o período reconhecido, ainda que o pagamento das remunerações a ele correspondentes não tenha sido reclamado na ação” (LEITE, 2009. p 261).
Esse tema demanda maiores estudos, porém, espera-se não ter confundido ainda mais a questão. Como se pode observar, grande parte da jurisprudência e da doutrina entendem que é competência da Justiça do Trabalho a execução de contribuições previdenciárias quando decorrentes de sentença condenatória, e não na mesma sentença declaratória de vínculo empregatício, esse entendimento prevalece.
O que precisar ser analisado é para quem  será realizada a prestação advocatícia, para desta forma frisar os argumentos que lhe são mais favorávies.

Exemplo, se ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho, com objetivo de reconhecimento do vínculo empregatício, fundamente com os entendimentos favoráveis a tese do vínculo empregatícios. Crie uma fundamentação baseada na decisão da Terceira Turma que fora mencionada acima e complemente o pensamento com ênfase ao princípio da celeridade processual no direito trabalhista. Pois, se a própria Justiça do Trabalho, intimando a Previdência Social, liquidasse as verbas previdenciárias que foram sonegadas pelo empregador, o judiciário resolveria rapidamente duas situações.

Entretanto, se no caso em análise, tornar-se mais favorável a tese contida na Súmula 368 do TST, fixe-se nela então.
[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 29º ed. – São Paulo: Atlas, 2009. p 91.
[2] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 6º ed. – São Paulo: LTr, 2008. p . 1.036.[3] VON ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo. Direito processual do trabalho. – São Paulo: Saraiva, 2009. p 20.
[4] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 6º ed. – São Paulo: LTr, 2008. p . 261.
[3].” E em relação a cobrança dos tributos, é função do Poder Executivo e de seus agentes cobrar, não cabendo outorgar ao juiz do trabalho tal competência.
Art. 42. A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 876. [...]
Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.
[2].”
[1].” E ainda, segundo este mesmo doutrinador as questões relativas a competência devem ter interpretação restritiva e não extensiva (MARTINS, 2009. p 92).
No caso, trata-se de conflito de competência negativo, tal matéria já foi praticamente pacificada pelo TST que editou a Súmula 368, in verbis:
Súmula 368 – Descontos previdenciários e fiscais. Competência. Responsabilidade pelo pagamento. Forma de cálculo.
I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição.
[...]

Petição sem fundamentação jurídica pode acarretar inépcia?

PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS DO ART. 282, DO CPC. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA NÃO ACARRETA INÉPCIA DA INICIAL. CAUSAS DE INÉPCIA ESTÃO TAXATIVAMENTE POSITIVADAS NO DIPLOMA PROCESSUAL.
A alegação de que a falta de fundamentos jurídicos caracteriza inépcia da petição não encontra sustento na doutrina e na jurisprudência pesquisadas. Até por uma questão da aplicação da máxima jurídica da mihi factum dabo tibi jus, ou seja, “daí-me o fato que eu te darei o direito.” Sendo assim, entende-se que o autor não está, necessariamente, obrigado a fazer referência aos fundamentos jurídicos que amparam o seu direito, sua pretensão. O importante é trazer ao Poder Judiciário os fatos que envolvem o conflito de interesse existente, para que o Poder Judiciário diga o direito a ser aplicado.
Com relação as hipóteses de inépcia da inicial, o Código de Processo Civil elencou, claramente, no parágrafo único do art. 295, quais são essas hipóteses. Observa-se que se considera inepta a petição inicial quando lhe faltar o pedido ou a causa de pedir, ou seja, precisa constar pelo menos o pedido ou pelo menos a causa de pedir. Pelo menos um deles se faz necessário.
Também é considerada inepta a inicial onde a narração dos fatos não possui lógica com a conclusão. Aqueles fatos sem sentido lógico. Outra hipótese de petição inepta ocorre quando o pedido for juridicamente impossível. Pedir ao juiz que lhe dê poderes mágicos, isso não dá. Ou ainda, quando os pedidos forem incompatíveis entre si. Pede-se ao juiz que conceda o divórcio e requer não seja expedida certidão de divórcio.
Nota-se, que nenhuma das hipóteses de petição inepta trazidas pelo dispositivo legal supramencionado, abarca a situação de petição desprovida de fundamentos jurídicos. Ora, presume-se que uma petição sem fundamentação jurídica não deve ser considerada inepta, pois a lei não previu tal hipótese.
Em 2005 o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp. 171657/SP, onde foi Relator o Min. José Delgado, entendeu “que as causas de inépcia da petição inicial são expostas com clareza no ordenamento jurídico positivado. Havendo fatos apresentados, causa de pedir desenvolvida e pedido, há de ser acatada para o desenvolvimento regular do processo.”
Esse entendimento foi confirmado novamente pelo Superior Tribunal de Justiça em 2006 no julgamento do REsp. 684801/RJ.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul compartilha deste entendimento, conforme se verifica nos julgados: AI n. 70018001057, da 18º Câmara Cível, j. 12.12.2006; AC n. 70016985756, da 3º Câmara Cível, j. 16.11.2006.
Nesse mesmo sentido tem decidido o Tribunal de Justiça de Santa Catarina que recentemente considerou que “não é inepta a petição inicial quando a leitura da parte concernente à causa de pedir, bem como o teor do pedido, estejam hábeis a apropriação do pleito (TJSC – AI n. 2011.001875-7, de Brusque. Rel. Marcus Túlio Sartorato. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil, j. 12.07.2011).
Por fim, ressalta-se que se o juiz verificar a ausência de um dos requisitos do art. 282, do CPC, determinará que o autor emende ou complete no prazo de 10 (dez) dias sob pena de indeferimento da petição. Com isso, se a inicial foi aceita pelo juiz, entende-se que esta preencheu os requisitos exigidos para propositura da ação.
Entretanto, pode o réu, antes de contestar o mérito alegar inépcia da inicial, conforme previsão do art. 301, III, do CPC. Todavia, sua alegação deve ser norteada pelas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 295, do CPC, ou seja, alegar que a petição deva ser considerada inepta por falta de fundamentação jurídica é querer realizar defesa destituída de embasamento jurídico, violando, inclusive, um dever processual (art. 12, III, do CPC).
Fica aqui esta reflexão, sempre, aberta a críticas e sugestões.
Jelson Styburski.

Referência: MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpretado. 1 ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2008.

Ministério Público pode realizar investigações de ofício em inquérito instaurado?

Breve noção sobre a função do Ministério Público no processo criminal.
O Ministério Público, por meio de seu Procurador, pode realizar investigações de ofício na fase do inquérito? A função[1] do Ministério Público (MP) no processo criminal vem claramente prevista no art. 157 do Código de Processo Penal que atribui basicamente duas tarefas (funções):
I – promover, privativamente, a ação penal pública;
II – fiscalizar a execução da lei;

Da análise trazida pela previsão do Código de Processo Penal, tem-se como conclusão, que ao Ministério Público não cabe o papel de realizar investigações de ofício durante o processo investigatório, pois de acordo com a própria Constituição Federal (art. 129, VIII), cabe ao Ministério Público requisitar diligências investigatórias de inquérito policial ou seja, o Ministério pode ordenar que as investigações policiais sejam realizadas pelo órgão competente, no caso, à polícia civil conforme disposição legal do §3º do art. 144 da Magna Carta.
Inclusive a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei n. 8.625/93, traz em seu art. 26, VI, que no exercício de suas funções o Ministério Público poderá requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los.
Sendo assim, não existe atualmente uma previsão legal, no direito brasileiro, que autorize a realização de investigações pelo Ministério Público, de ofício, durante um processo que esteja na faze investigatória policial.
Em 2010, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina anulou um processo justamente porque o representante do Ministério Público realizou ato de investigação próprio da polícia judiciária. Transcreve trecho da Ementa do referido Tribunal:
NULIDADE DO PROCESSO POR TER O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PRATICADO ATOS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PRÓPRIOS DA AUTORIDADE POLICIAL JUDICIÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA AMPARADA EM INQUÉRITO CIVIL INSTAURADO PARA APURAR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
"Se no curso do inquérito civil fica evidenciado que os fatos apurados configuram ilícitos penais, o MINISTÉRIO PÚBLICO, com fundamento no princípio da obrigatoriedade, deve iniciar a persecução penal." (REsp n. 681612/GO) (TJ/SC – AC n. 2007.031582-3, de Capital. Rel. Newton Varella Júnior. Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal, j. 16.09.2010.
Enfim, em resposta à pergunta inicial, conclui-se que o Ministério Público não pode de ofício realizar investigações em inquéritos policiais. Sua atribuição é requisitar à autoridade competente que realize as investigações, podendo no entanto, o Procurador acompanhar as diligências investigatórias.
Para finalizar, sugere-se uma pesquisa mais aprofundada na jurisprudência do STJ e do STF.
Essa foi minha sucinta pesquisa,
Jelson Styburski


[1] REIS, Alexandre Cebrian Areújo. Processo Penal: parte geral. 15 ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Prerrogativas das autarquias

Resumo sobre as prerrogativas das autarquias – Estudo do dia 03.03.2011

Dando continuidade ao estudo sobre autarquias, antes de adentrar no tema das prerrogativas das autarquias, cabe indagar qual é a natureza jurídica de uma autarquia? De acordo com o disposto no art. 41, IV, do Código Civil brasileiro, pode-se afirmar que as autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno, sendo assim, a natureza jurídica das autarquias é de pessoa jurídica de direito público interno.
Em relação às prerrogativas das autarquias podemos dividir em três espécies de prerrogativas:
a) prerrogativas de natureza tributária; b) prerrogativas de natureza processual; c) prerrogativas de natureza patrimonial.

a) prerrogativas de natureza tributária – pergunta-se, as autarquias pagam impostos sobre seu patrimônio, renda ou serviço? Não, segundo o que dispõe o art. 150, §2º, da CF/88, não há incidência de impostos sobre as autarquias, pois elas possuem imunidade tributária recíproca, ou seja, a mesma imunidade recíproca que vigora entre a União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, é aplicada às autarquias[1]. A Constituição traz:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

O parágrafo segundo do mencionado artigo prevê:

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. (grifou-se)

Com isso as autarquias possuem imunidade tributária recíproca nos termos da Constituição.

b) prerrogativa de natureza processual – em resumo, as autarquias possuem certas prerrogativas (privilégios) processuais como por exemplo: reexame necessário/duplo grau de jurisdição; prazos dilatados para apresentar defesa; seus créditos admitem execução fiscal conforme prevê o parágrafo único do art. 578 do CPC; suas dívidas estão sujeitas a regime especial de cobrança, pois são executadas em forma de precatórios – art. 100, da CF/88;
Com relação ao reexame necessário o Supremo Tribunal Federal editou, em 17.10.1984, a Súmula 620, in verbis:

Súmula 620 – a sentença proferida contra autarquias não está sujeita a reexame necessário, salvo quando sucumbente em execução de dívida ativa.

Entretanto, está súmula perdeu sua eficácia diante da elaboração da lei n. 9.469/97, pois esta lei previu em seu artigo 10 que aplicava-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos artigos 475, caput e inciso II e também a previsão do art.188, ambos do Código de Processo Civil. Com isso, as autarquias possuem o reexame necessário/duplo grau de jurisdição e gozam de prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer.

c) prerrogativas de natureza patrimonial – inicialmente vale lembrar que os bens autárquicos são considerados como bens públicos, art. 99, II, do Código Civil. Em sendo bem público, via de regra, possuem três características básicas: impenhorabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade.
Todos os bens públicos são impenhoráveis? Sim, pois conforme já mencionado, as dívidas das Fazendas públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais são pagas através de precatórios – art. 100, caput, da CF/88.

Todos os bens públicos são inalienáveis? Em regra sim, porém existe uma exceção. Os bens públicos de uso comum e os bens públicos de uso especial são inalienáveis conforme art.100 do Código Civil. Entretanto, os bens dominicais podem ser alienados segundo prevê o art. 101 do Código Civil, contudo para ser alienado precisa observar algumas exigências legais dispostas no inciso I do art.17 da lei n. 8.666/93:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: (grifou-se).

Pergunta-se, um particular se instalou num imóvel público que estava abandonado e aí permaneceu por 35 anos seguidos com posse mansa e pacífica. Este particular não possuía nenhum outro imóvel. Teria este particular direito a usucapião?
Em regra não, pois os bens públicos não podem ser usucapidos conforme previsão constitucional parágrafo único do art. 191. Entretanto, questiona-se, uma vez que o bem público está ocioso não pode ele ser usucapido? Cadê a função social da propriedade prevista nos direitos e garantias fundamentais (art.5º, XXIII, da CF/88)? Será que o princípio da função social só vale para pessoas de direito privado? E mais, onde fica o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88)? Ora, o bem público estava abandonado, esquecido. Mais vale um bem público abandonado, sem uso ou mais vale um possuidor, que tem na sua posse mansa a função social da propriedade[2], fazendo valer a Constituição da República Federativa do Brasil. De um lado a Constituição proíbe o usucapião de um bem público, de outro lado Ela determina que a propriedade atenção uma função social. Nota-se claramente que existe uma colisão de valores e princípios constitucionais. O ideal, penso, seria utilizar a ponderação para, em certos casos concretos, admitir a usucapião de um bem público, privilegiado a função social da moradia digna.
Referências

[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 167.
[2] BRASIL. Site TV Justiça. Palestrante André Uchôa. Disponível em: <>. Acesso em 03.03.2011.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Autarquias - estudo do dia 03.03.2011

Resumo sobre Autarquia – estudo realizado dia 03.03.2011
O inciso I do art. 5º do Decreto-Lei 200 de 25 de fevereiro de 1967 conceitua autarquia como sendo:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
Celso Antônio Bandeira de Mello critica essa definição, pois, segundo o doutrinador, nessa definição não é possível identificar quando a figura instaurada por lei tem ou não natureza autárquica. Para Celso Antônio Bandeira de Mello autarquias podem ser definidas como “pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa
[1].” Já o doutrinador Marçal Justen Filho traz um conceito mais amplo, definindo autarquia como “uma pessoa jurídica de direito público, instituída para desempenhar atividades administrativas sob regime de direito público, criada por lei que determina o grau de sua autonomia em face da Administração direta[2].”
Como se cria uma autarquia?
A resposta é encontrada no inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal de 1988. De acordo com esta previsão constitucional, autarquia somente pode ser criada por lei específica, ou seja, uma lei que só trate daquela autarquia que será criada e que não envolva outras matérias. Nesse sentido, a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que as autarquias só podem ser criadas e extintas por lei
[3]. Marçal Justen Filho traz que as autarquias podem ser criadas por lei infraconstitucional, ou seja, “a autarquia não é instituída pela Constituição nem pode ser criada por ato infralegislativo[4].” Nesse sentido, é aconselhável seguir a previsão constitucional, sendo assim, autarquia somente pode ser criada ou extinta por lei específica. Caso contrário, sua criação ou extinção devem ser consideradas inconstitucionais. Exemplo: elabora-se uma lei para criação de uma autarquia e nesta mesma lei será criado um órgão. Ora é inconstitucional, pois a lei deve ser específica, tratar só da autarquia.
Mas em que momento surge então a personalidade jurídica da autarquia?
André Uchôa
[5], em palestra exibida pela TV Justiça em 07.06.2010, explica que o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, o surgimento da autarquia ocorre a partir da vigência da lei. Desta forma, a autarquia não surge quando da elaboração da lei específica, ou da publicação da lei, pois uma lei pode ser publicada hoje, dia 03.03.2011, porém passando a vigorar somente em 03.04.2011 (período de Vacatio legis). Por isso, a personalidade jurídica da autarquia surge no momento em que a lei específica entra em vigor.
Agora, quem pode criar uma autarquia (Poder Executivo, Poder Legislativo ou Poder Judiciário)?
Essa questão é polêmica e já foi matéria de questão de concurso. A luz do art. 37,caput, da Constituição Federal 1988, pode-se concluir que qualquer dos poderes da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios poderiam criar uma autarquia. Entretanto, André Uchôa menciona que o CNJ elaborou um parecer entendendo ser inconstitucional a criação de uma autarquia pelo Poder Judiciário, pois a autarquia visa auxiliar na execução das funções do Estado, função típica do Poder Executivo. Diante dessa divergência entre o disposto na Constituição e o entendimento do CNJ à respeito do tema chega-se a conclusão que essa matéria precisa ser analisada melhor.
Enfim, um órgão público pode ser transformado em autarquia?
Pelo entendimento da doutrina majoritária, nada impede que um órgão seja extinto e transformado em autarquia por uma lei específica. Tem-se como exemplo o antigo DNR (órgão Federal) que mais tarde foi extinto e transformado no atual DENIT (autarquia federal vinculada ao Ministério do Transporte – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) que atua na prestação de um serviço público.Agora, nem todo órgão pode ser transformado em autarquia,pois existem determinados órgão que são permanentes conforme previsão constitucional. Como exemplo, a polícia federal, instituída por lei como órgão permanente segundo o disposto no §1º do art.147 da Constituição Federal de 1988.
Referências
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 160.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 204.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 162.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 205.
[5] BRASIL. Site TV Justiça. Palestrante André Uchôa. Disponível em: . Acesso em 03.03.2011.