sábado, 20 de agosto de 2011

Legítima defesa putativa

Questão: Astrogildo está na sala de sua casa assistindo televisão, quando seu amigo entra em casa pela porta dos fundos. Astrogildo, pensando ser um assaltante, efetua três disparos de arma de fogo contra a pessoa, certo de que está praticando uma ação amparada por legítima defesa. Astrogildo responderá por crime?
Como defensor do Astrogildo, recorro a tese da legítima defesa putativa, ou seja, “assim age quem, para defender sua casa, faz disparo contra pessoa que supõe ser ladrão (TACrSP, Julgados 87/190; TJSP, RF 265/354; TJRO, RT 715/506).” (DELMANTO, 2007)
No caso narrado, Astrogildo, pensando tratar-se de um assaltante, desencadeou uma reação humana, supondo estar agindo em legítima defesa. Nesse sentido, frisa-se que a reação humana não pode ser medida com um transferidor, milimetricamente ou com matemática proporcionalidade, por se tratar de um ato instintivo, escreve DELMANTO. Assim, Astrogildo supôs, mesmo que erradamente, que estava agindo em legítima defesa diante de uma condição de fato que o motivou a praticar a excepcional conduta. Vale lembrar, que a legítima defesa putativa, associa-se as descriminantes putativas elencadas no §1º, do art. 20, do CP.
O referido dispositivo legal (§1º, do art. 20, do CP ) isenta de pena quem, por erro plenamente justificável, supõe situação de fato que, se ela existisse, tornaria a ação legítima. Explica DELMANTO que, “por erro plenamente justificável pelas circunstâncias, supõe estar agindo de acordo com uma dessas causas que excluem a ilicitude.” E no caso, Astrogildo agiu certo de que estava praticando uma ação amparada pela legítima defesa.
Importa frisar que, considera-se crime o fato típico, antijurídico e culpável. No caso em tela, tem-se um fato típico (art. 121, CP – matar alguém), é culpável. Contudo há uma das causas de excludentes de ilicitude que acaba afastando a antijuridicidade. Ora, deixando de existir um desses elementos (fato típico, antijurídico e culpável) não há que se falar em crime.   
Diante disso, utilizando-se da teoria finalista que define crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável, entendo que Astrogildo não merece responder por crime de homicídio no caso narrado, pois está-se frente a uma excludente de ilicitude prevista em lei (art. 25 c/c o §1º, do art. 20, ambos do Código Penal).  Quando muito, este deverá responder pelo crime de disparo de arma de fogo, uma vez preenchida a tipificação exarada no art. 15, da lei 10.826/2003.
Esse é meu entendimento, salvo melhor juízo.
Blumenau, 20 de agosto de 2011.
Jelson Styburski

sábado, 13 de agosto de 2011

É cabível a interpretação analógica no Direito Penal?

Sim. A interpretação analógica é possível no Direito Penal.
A confusão reside na terminologia das palavras. Explico. Para Celso Delmanto, a expressão 'interpretação analógica' vem sendo utilizada de maneira equivocada, pois os métodos de interpretação da norma legal são: gramatical, lógico, sistemático, histórico, teleológico, sociológico. Desses métodos de interpretação pode-se obter resultados de forma declarativa, restritiva e extensiva. Por isso, o ideal é a utilização da expressão 'interpretação [...] com efeitos extensivos'.
Essa interpretação ocorre quando existe uma norma legal, porém que não esclarece todas as situações que estão abrangidas na tipificação. Exemplo: o art. 171, do CP, tipifica o crime de estelionato como aquele em que o indivíduo obtem para si ou para outrem vantagem ilícita, em pejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante  artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. A expressão 'qualquer outro meio fraudulento" não esclarece quais são esses 'meios' a que o legislador se referiu. Faz-se necessário a utilização de um dos métodos de interpretação com efeito extensivo para complementar o que o legislador disse de menos.
Já a analogia é aplicada quando existe uma lacuna na lei, ou seja, uma hipótese que não se encontra prevista em nenhum dispositivo legal. Nesse caso, o art. 4º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, prevê a possibilidade do uso da analogia. Entretanto, para o Direito Penal, em respeito ao princípio da legalidade ou princípio da reserva legal, não há crime sem lei que o preveja. Desta forma, é vedado o uso da analogia para tipificar condutas incriminadoras. Contudo, pode-se fazer uso da analogia para favorecer a liberdade da pessoa (princípio geral de direito do favor libertatis). Essa é a conhecida analogia in bonam partem.
No HC 48228/PB o STJ entendeu que "a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito." Essa possibilidade vem descrita no art. 3º, do CPP.
Enfim, a interpretação com efeitos extensivos é possível quando da incompletude de um texto de norma  legal, utilize-se de uma formúla genérica, que interpretará de acordo com casos anterios. Enquanto que a analogia é aplicável nos casos de lacuna da lei, ou seja, não existe nenhuma norma regulando o assunto. Esse é meu entendimento, salvo melhor juízo.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Conflito de competência

Sérgio Pinto Martins define que “competência é a determinação jurisdicional atribuída pela Constituição ou pela lei a um determinado órgão

Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite escreve que,
“somente as contribuições previdenciárias declaradas expressamente pelas sentenças trabalhistas é que são da competência da Justiça do Trabalho. A contrário sensu, isso quer dizer que a execução de débitos previdenciários, que deveriam ter sido recolhidos durante a vigência do contrato de trabalho e que não integram a sentença trabalhista, continua sob a alçada da Justiça Federal
Inclusive esse tema já foi julgado pelo STF no RE 569.056 num julgamento de Repercussão Geral julgado 11.09.2008. Colhe-se a Ementa:
EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Competência da Justiça do Trabalho. Alcance do art. 114, VIII, da Constituição Federal. 1. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança apenas a execução das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir. 2. Recurso extraordinário conhecido e desprovido. (STF – RE 569.056/PA. Rel. Min. Menezes Direito. Órgão Julgador: Tribunal Pleno, j. 11.09.2008).

Inclusive, com a edição da lei n. 11.457/2007, o parágrafo único do art. 876 da CLT foi modificado pelo art. 42 desta lei. Transcreve-se:
Observa-se também que nos dois Acórdão anexados, que ambos são unânimes em frisar que em relação as contribuições previdenciárias a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar à execução das contribuições previdenciárias, quando já houver sentenças condenatórias ou acordo homologado. Com isso, o entendimento passa a respeitar o disposto na Constituição, art. 144, VIII, que também menciona que a execução das contribuições previdenciárias serão de competência da Justiça do trabalho quando decorrerem de sentenças proferidas pela mesma Justiça do Trabalho.
Vale lembrar, que a sentença que reconhece o vínculo empregatício tem caráter declaratório, já a sentença que cobra as contribuições não recolhidas tem caráter condenatório, ou seja, são efeitos diversos em cada processo.

Também o STJ, recentemente se manifestou nesses termos. Colhe-se trecho do voto do Min. Luiz Fux, atualmente presidente da comissão responsável pela elaboração do projeto para o novo CPC:
"A competência da Justiça do Trabalho, conferida pelo §3º do art. 114 da Constituição Federal, para executar, de ofício, as contribuições sociais que prevê, decorre de norma de exceção, a ser interpretada restritivamente. Nela está abrangida apenas a execução de contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos efetuados em decorrência de sentenças proferidas pelo Juízo Trabalhista, única suscetível de ser desencadeada ‘de ofício”. (STJ – Conflito de competência n. 2009.0191609-0. Rel. Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Sessão, j. 24.02.2010).

Finalizando, cito as palavras de Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich, que lembra que “as contribuições previdenciárias têm natureza para-fiscal e, portanto, tributária
Nas leituras realizadas, descobre-se que a matéria ainda gera controvérsias, contudo, existe uma esperança de que o STF pacifique os entendimentos através da criação de uma Súmula Vinculante. Até não ser editada esta Súmula, poderá existir juízes com entendimentos diversos e até mesmo tribunais superiores.
No livro do Carlos Henrique Bezerra Leite, o doutrinador explica que recentemente a Terceira Turma do TST, no recurso de revista RR-1119/99, “alargou a competência do Justiça do Trabalho, determinando o pagamento das contribuições previdenciárias quando o processo trabalhista acarretar o reconhecimento de vínculo de emprego[4].” Inclusive cita trechos do voto do juiz convocado Alberto Bresciani que entendeu pois “o pagamento das contribuições sociais e conseqüentemente reconhecimento previdenciário do tempo de serviço são de fundamental importância para quem, contrastando o propósito irregular do mau pagador, vê reconhecida a existência de contrato individual de trabalho” (LEITE, 2008. p 261).
A Suprema Corte Trabalhista fundou-se no art. 114, §3º, VIII Ca CF/88 c/c o Decreto n. 3.048/99. E mais “se da decisão resultar reconhecimento de vínculo empregatício, deverão ser exigidas as contribuições, tanto do empregador como do reclamante (trabalhador), para todo o período reconhecido, ainda que o pagamento das remunerações a ele correspondentes não tenha sido reclamado na ação” (LEITE, 2009. p 261).
Esse tema demanda maiores estudos, porém, espera-se não ter confundido ainda mais a questão. Como se pode observar, grande parte da jurisprudência e da doutrina entendem que é competência da Justiça do Trabalho a execução de contribuições previdenciárias quando decorrentes de sentença condenatória, e não na mesma sentença declaratória de vínculo empregatício, esse entendimento prevalece.
O que precisar ser analisado é para quem  será realizada a prestação advocatícia, para desta forma frisar os argumentos que lhe são mais favorávies.

Exemplo, se ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho, com objetivo de reconhecimento do vínculo empregatício, fundamente com os entendimentos favoráveis a tese do vínculo empregatícios. Crie uma fundamentação baseada na decisão da Terceira Turma que fora mencionada acima e complemente o pensamento com ênfase ao princípio da celeridade processual no direito trabalhista. Pois, se a própria Justiça do Trabalho, intimando a Previdência Social, liquidasse as verbas previdenciárias que foram sonegadas pelo empregador, o judiciário resolveria rapidamente duas situações.

Entretanto, se no caso em análise, tornar-se mais favorável a tese contida na Súmula 368 do TST, fixe-se nela então.
[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense. 29º ed. – São Paulo: Atlas, 2009. p 91.
[2] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 6º ed. – São Paulo: LTr, 2008. p . 1.036.[3] VON ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo. Direito processual do trabalho. – São Paulo: Saraiva, 2009. p 20.
[4] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 6º ed. – São Paulo: LTr, 2008. p . 261.
[3].” E em relação a cobrança dos tributos, é função do Poder Executivo e de seus agentes cobrar, não cabendo outorgar ao juiz do trabalho tal competência.
Art. 42. A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 876. [...]
Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido.
[2].”
[1].” E ainda, segundo este mesmo doutrinador as questões relativas a competência devem ter interpretação restritiva e não extensiva (MARTINS, 2009. p 92).
No caso, trata-se de conflito de competência negativo, tal matéria já foi praticamente pacificada pelo TST que editou a Súmula 368, in verbis:
Súmula 368 – Descontos previdenciários e fiscais. Competência. Responsabilidade pelo pagamento. Forma de cálculo.
I. A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição.
[...]

Petição sem fundamentação jurídica pode acarretar inépcia?

PETIÇÃO INICIAL. REQUISITOS DO ART. 282, DO CPC. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA NÃO ACARRETA INÉPCIA DA INICIAL. CAUSAS DE INÉPCIA ESTÃO TAXATIVAMENTE POSITIVADAS NO DIPLOMA PROCESSUAL.
A alegação de que a falta de fundamentos jurídicos caracteriza inépcia da petição não encontra sustento na doutrina e na jurisprudência pesquisadas. Até por uma questão da aplicação da máxima jurídica da mihi factum dabo tibi jus, ou seja, “daí-me o fato que eu te darei o direito.” Sendo assim, entende-se que o autor não está, necessariamente, obrigado a fazer referência aos fundamentos jurídicos que amparam o seu direito, sua pretensão. O importante é trazer ao Poder Judiciário os fatos que envolvem o conflito de interesse existente, para que o Poder Judiciário diga o direito a ser aplicado.
Com relação as hipóteses de inépcia da inicial, o Código de Processo Civil elencou, claramente, no parágrafo único do art. 295, quais são essas hipóteses. Observa-se que se considera inepta a petição inicial quando lhe faltar o pedido ou a causa de pedir, ou seja, precisa constar pelo menos o pedido ou pelo menos a causa de pedir. Pelo menos um deles se faz necessário.
Também é considerada inepta a inicial onde a narração dos fatos não possui lógica com a conclusão. Aqueles fatos sem sentido lógico. Outra hipótese de petição inepta ocorre quando o pedido for juridicamente impossível. Pedir ao juiz que lhe dê poderes mágicos, isso não dá. Ou ainda, quando os pedidos forem incompatíveis entre si. Pede-se ao juiz que conceda o divórcio e requer não seja expedida certidão de divórcio.
Nota-se, que nenhuma das hipóteses de petição inepta trazidas pelo dispositivo legal supramencionado, abarca a situação de petição desprovida de fundamentos jurídicos. Ora, presume-se que uma petição sem fundamentação jurídica não deve ser considerada inepta, pois a lei não previu tal hipótese.
Em 2005 o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp. 171657/SP, onde foi Relator o Min. José Delgado, entendeu “que as causas de inépcia da petição inicial são expostas com clareza no ordenamento jurídico positivado. Havendo fatos apresentados, causa de pedir desenvolvida e pedido, há de ser acatada para o desenvolvimento regular do processo.”
Esse entendimento foi confirmado novamente pelo Superior Tribunal de Justiça em 2006 no julgamento do REsp. 684801/RJ.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul compartilha deste entendimento, conforme se verifica nos julgados: AI n. 70018001057, da 18º Câmara Cível, j. 12.12.2006; AC n. 70016985756, da 3º Câmara Cível, j. 16.11.2006.
Nesse mesmo sentido tem decidido o Tribunal de Justiça de Santa Catarina que recentemente considerou que “não é inepta a petição inicial quando a leitura da parte concernente à causa de pedir, bem como o teor do pedido, estejam hábeis a apropriação do pleito (TJSC – AI n. 2011.001875-7, de Brusque. Rel. Marcus Túlio Sartorato. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil, j. 12.07.2011).
Por fim, ressalta-se que se o juiz verificar a ausência de um dos requisitos do art. 282, do CPC, determinará que o autor emende ou complete no prazo de 10 (dez) dias sob pena de indeferimento da petição. Com isso, se a inicial foi aceita pelo juiz, entende-se que esta preencheu os requisitos exigidos para propositura da ação.
Entretanto, pode o réu, antes de contestar o mérito alegar inépcia da inicial, conforme previsão do art. 301, III, do CPC. Todavia, sua alegação deve ser norteada pelas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 295, do CPC, ou seja, alegar que a petição deva ser considerada inepta por falta de fundamentação jurídica é querer realizar defesa destituída de embasamento jurídico, violando, inclusive, um dever processual (art. 12, III, do CPC).
Fica aqui esta reflexão, sempre, aberta a críticas e sugestões.
Jelson Styburski.

Referência: MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpretado. 1 ed. 2 reimpr. São Paulo: Atlas, 2008.

Ministério Público pode realizar investigações de ofício em inquérito instaurado?

Breve noção sobre a função do Ministério Público no processo criminal.
O Ministério Público, por meio de seu Procurador, pode realizar investigações de ofício na fase do inquérito? A função[1] do Ministério Público (MP) no processo criminal vem claramente prevista no art. 157 do Código de Processo Penal que atribui basicamente duas tarefas (funções):
I – promover, privativamente, a ação penal pública;
II – fiscalizar a execução da lei;

Da análise trazida pela previsão do Código de Processo Penal, tem-se como conclusão, que ao Ministério Público não cabe o papel de realizar investigações de ofício durante o processo investigatório, pois de acordo com a própria Constituição Federal (art. 129, VIII), cabe ao Ministério Público requisitar diligências investigatórias de inquérito policial ou seja, o Ministério pode ordenar que as investigações policiais sejam realizadas pelo órgão competente, no caso, à polícia civil conforme disposição legal do §3º do art. 144 da Magna Carta.
Inclusive a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei n. 8.625/93, traz em seu art. 26, VI, que no exercício de suas funções o Ministério Público poderá requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los.
Sendo assim, não existe atualmente uma previsão legal, no direito brasileiro, que autorize a realização de investigações pelo Ministério Público, de ofício, durante um processo que esteja na faze investigatória policial.
Em 2010, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina anulou um processo justamente porque o representante do Ministério Público realizou ato de investigação próprio da polícia judiciária. Transcreve trecho da Ementa do referido Tribunal:
NULIDADE DO PROCESSO POR TER O REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PRATICADO ATOS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PRÓPRIOS DA AUTORIDADE POLICIAL JUDICIÁRIA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA AMPARADA EM INQUÉRITO CIVIL INSTAURADO PARA APURAR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
"Se no curso do inquérito civil fica evidenciado que os fatos apurados configuram ilícitos penais, o MINISTÉRIO PÚBLICO, com fundamento no princípio da obrigatoriedade, deve iniciar a persecução penal." (REsp n. 681612/GO) (TJ/SC – AC n. 2007.031582-3, de Capital. Rel. Newton Varella Júnior. Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal, j. 16.09.2010.
Enfim, em resposta à pergunta inicial, conclui-se que o Ministério Público não pode de ofício realizar investigações em inquéritos policiais. Sua atribuição é requisitar à autoridade competente que realize as investigações, podendo no entanto, o Procurador acompanhar as diligências investigatórias.
Para finalizar, sugere-se uma pesquisa mais aprofundada na jurisprudência do STJ e do STF.
Essa foi minha sucinta pesquisa,
Jelson Styburski


[1] REIS, Alexandre Cebrian Areújo. Processo Penal: parte geral. 15 ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2010.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Prerrogativas das autarquias

Resumo sobre as prerrogativas das autarquias – Estudo do dia 03.03.2011

Dando continuidade ao estudo sobre autarquias, antes de adentrar no tema das prerrogativas das autarquias, cabe indagar qual é a natureza jurídica de uma autarquia? De acordo com o disposto no art. 41, IV, do Código Civil brasileiro, pode-se afirmar que as autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno, sendo assim, a natureza jurídica das autarquias é de pessoa jurídica de direito público interno.
Em relação às prerrogativas das autarquias podemos dividir em três espécies de prerrogativas:
a) prerrogativas de natureza tributária; b) prerrogativas de natureza processual; c) prerrogativas de natureza patrimonial.

a) prerrogativas de natureza tributária – pergunta-se, as autarquias pagam impostos sobre seu patrimônio, renda ou serviço? Não, segundo o que dispõe o art. 150, §2º, da CF/88, não há incidência de impostos sobre as autarquias, pois elas possuem imunidade tributária recíproca, ou seja, a mesma imunidade recíproca que vigora entre a União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, é aplicada às autarquias[1]. A Constituição traz:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

O parágrafo segundo do mencionado artigo prevê:

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. (grifou-se)

Com isso as autarquias possuem imunidade tributária recíproca nos termos da Constituição.

b) prerrogativa de natureza processual – em resumo, as autarquias possuem certas prerrogativas (privilégios) processuais como por exemplo: reexame necessário/duplo grau de jurisdição; prazos dilatados para apresentar defesa; seus créditos admitem execução fiscal conforme prevê o parágrafo único do art. 578 do CPC; suas dívidas estão sujeitas a regime especial de cobrança, pois são executadas em forma de precatórios – art. 100, da CF/88;
Com relação ao reexame necessário o Supremo Tribunal Federal editou, em 17.10.1984, a Súmula 620, in verbis:

Súmula 620 – a sentença proferida contra autarquias não está sujeita a reexame necessário, salvo quando sucumbente em execução de dívida ativa.

Entretanto, está súmula perdeu sua eficácia diante da elaboração da lei n. 9.469/97, pois esta lei previu em seu artigo 10 que aplicava-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos artigos 475, caput e inciso II e também a previsão do art.188, ambos do Código de Processo Civil. Com isso, as autarquias possuem o reexame necessário/duplo grau de jurisdição e gozam de prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer.

c) prerrogativas de natureza patrimonial – inicialmente vale lembrar que os bens autárquicos são considerados como bens públicos, art. 99, II, do Código Civil. Em sendo bem público, via de regra, possuem três características básicas: impenhorabilidade, imprescritibilidade e inalienabilidade.
Todos os bens públicos são impenhoráveis? Sim, pois conforme já mencionado, as dívidas das Fazendas públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais são pagas através de precatórios – art. 100, caput, da CF/88.

Todos os bens públicos são inalienáveis? Em regra sim, porém existe uma exceção. Os bens públicos de uso comum e os bens públicos de uso especial são inalienáveis conforme art.100 do Código Civil. Entretanto, os bens dominicais podem ser alienados segundo prevê o art. 101 do Código Civil, contudo para ser alienado precisa observar algumas exigências legais dispostas no inciso I do art.17 da lei n. 8.666/93:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: (grifou-se).

Pergunta-se, um particular se instalou num imóvel público que estava abandonado e aí permaneceu por 35 anos seguidos com posse mansa e pacífica. Este particular não possuía nenhum outro imóvel. Teria este particular direito a usucapião?
Em regra não, pois os bens públicos não podem ser usucapidos conforme previsão constitucional parágrafo único do art. 191. Entretanto, questiona-se, uma vez que o bem público está ocioso não pode ele ser usucapido? Cadê a função social da propriedade prevista nos direitos e garantias fundamentais (art.5º, XXIII, da CF/88)? Será que o princípio da função social só vale para pessoas de direito privado? E mais, onde fica o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF/88)? Ora, o bem público estava abandonado, esquecido. Mais vale um bem público abandonado, sem uso ou mais vale um possuidor, que tem na sua posse mansa a função social da propriedade[2], fazendo valer a Constituição da República Federativa do Brasil. De um lado a Constituição proíbe o usucapião de um bem público, de outro lado Ela determina que a propriedade atenção uma função social. Nota-se claramente que existe uma colisão de valores e princípios constitucionais. O ideal, penso, seria utilizar a ponderação para, em certos casos concretos, admitir a usucapião de um bem público, privilegiado a função social da moradia digna.
Referências

[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 167.
[2] BRASIL. Site TV Justiça. Palestrante André Uchôa. Disponível em: <>. Acesso em 03.03.2011.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Autarquias - estudo do dia 03.03.2011

Resumo sobre Autarquia – estudo realizado dia 03.03.2011
O inciso I do art. 5º do Decreto-Lei 200 de 25 de fevereiro de 1967 conceitua autarquia como sendo:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
Celso Antônio Bandeira de Mello critica essa definição, pois, segundo o doutrinador, nessa definição não é possível identificar quando a figura instaurada por lei tem ou não natureza autárquica. Para Celso Antônio Bandeira de Mello autarquias podem ser definidas como “pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa
[1].” Já o doutrinador Marçal Justen Filho traz um conceito mais amplo, definindo autarquia como “uma pessoa jurídica de direito público, instituída para desempenhar atividades administrativas sob regime de direito público, criada por lei que determina o grau de sua autonomia em face da Administração direta[2].”
Como se cria uma autarquia?
A resposta é encontrada no inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal de 1988. De acordo com esta previsão constitucional, autarquia somente pode ser criada por lei específica, ou seja, uma lei que só trate daquela autarquia que será criada e que não envolva outras matérias. Nesse sentido, a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que as autarquias só podem ser criadas e extintas por lei
[3]. Marçal Justen Filho traz que as autarquias podem ser criadas por lei infraconstitucional, ou seja, “a autarquia não é instituída pela Constituição nem pode ser criada por ato infralegislativo[4].” Nesse sentido, é aconselhável seguir a previsão constitucional, sendo assim, autarquia somente pode ser criada ou extinta por lei específica. Caso contrário, sua criação ou extinção devem ser consideradas inconstitucionais. Exemplo: elabora-se uma lei para criação de uma autarquia e nesta mesma lei será criado um órgão. Ora é inconstitucional, pois a lei deve ser específica, tratar só da autarquia.
Mas em que momento surge então a personalidade jurídica da autarquia?
André Uchôa
[5], em palestra exibida pela TV Justiça em 07.06.2010, explica que o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, o surgimento da autarquia ocorre a partir da vigência da lei. Desta forma, a autarquia não surge quando da elaboração da lei específica, ou da publicação da lei, pois uma lei pode ser publicada hoje, dia 03.03.2011, porém passando a vigorar somente em 03.04.2011 (período de Vacatio legis). Por isso, a personalidade jurídica da autarquia surge no momento em que a lei específica entra em vigor.
Agora, quem pode criar uma autarquia (Poder Executivo, Poder Legislativo ou Poder Judiciário)?
Essa questão é polêmica e já foi matéria de questão de concurso. A luz do art. 37,caput, da Constituição Federal 1988, pode-se concluir que qualquer dos poderes da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios poderiam criar uma autarquia. Entretanto, André Uchôa menciona que o CNJ elaborou um parecer entendendo ser inconstitucional a criação de uma autarquia pelo Poder Judiciário, pois a autarquia visa auxiliar na execução das funções do Estado, função típica do Poder Executivo. Diante dessa divergência entre o disposto na Constituição e o entendimento do CNJ à respeito do tema chega-se a conclusão que essa matéria precisa ser analisada melhor.
Enfim, um órgão público pode ser transformado em autarquia?
Pelo entendimento da doutrina majoritária, nada impede que um órgão seja extinto e transformado em autarquia por uma lei específica. Tem-se como exemplo o antigo DNR (órgão Federal) que mais tarde foi extinto e transformado no atual DENIT (autarquia federal vinculada ao Ministério do Transporte – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte) que atua na prestação de um serviço público.Agora, nem todo órgão pode ser transformado em autarquia,pois existem determinados órgão que são permanentes conforme previsão constitucional. Como exemplo, a polícia federal, instituída por lei como órgão permanente segundo o disposto no §1º do art.147 da Constituição Federal de 1988.
Referências
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 160.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 204.
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25º ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 162.
[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 205.
[5] BRASIL. Site TV Justiça. Palestrante André Uchôa. Disponível em: . Acesso em 03.03.2011.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Parecer sobre USUFRUTO - estudo de caso

Relatório

Trata-se de um estudo de caso proposto pela prof. de Direito das Coisas II. Narra os fatos que a Sra. MARIA JUREMA PEREIRA JURIS, procurou um escritório de advocacia para encontrar uma solução ao seguinte caso:
Segundo a consulente, sua mãe Sra. VÍRGINA PEREIRA e seu pai Sr. JÚLIO PERIRA, doaram a propriedade do único imóvel que possuíam a filha mais velha, Sra. JANETE PEREIRA RUT. A doação ocorreu sem anuência da consulente, que na época era menor de idade. A doação foi realizada por Escritura Pública, com cláusula de reserva de direito de usufruto vitalício aos doadores e com cláusula de reversão.
Passados alguns anos, o pai da consulente veio a falecer. A usufrutuária, no caso a filha mais velha Sra. JANETE PEREIRA RUT, tinha um filho. Como na ocasião a usufrutuária estava em processo de separação judicial, a mãe da consulente e sua irmã mais velha resolveram doar a propriedade do referido imóvel ao filho da, até então usufrutuária.Com isso, levaram a avó do menor até o Cartório onde esta assinou escritura de doação, com renúncia do usufruto anterior. Na Escritura Pública Registrada, o único imóvel de propriedade da mãe (e avó do neto) foi doado para o neto com cláusula de usufruto em benefício da mãe e da avó, porém sem cláusula de reversão.
Ocorre que mais tarde, a mãe do nu-proprietário (filho menor) veio a falecer, extinguindo o usufruto de sua parte. A avó do menor, agora com idade avançada, residia na casa grande (parte da frente do prédio). O neto casa e constrói uma casa nos fundos do prédio. Entretanto, a avó precisava de atenção especial, pois já não tinha mais forças para realizar as tarefas do dia a dia. Ocorre que o neto ficava alheio a situação de avó e não dava nenhum cuidado necessário.
Por fim, a avó foi internada no asilo. Como para poder se manter no asilo dependia de dinheiro, a avó resolveu então alugar a casa onde residia, pois entendia ser usufrutuária daquele imóvel, conforme constava na Escritura Pública. Contudo, o neto não permite que se alugue tal imóvel, pois entende ser seu todo o prédio e que inclusive, já reformou a edificação, gastando aproximadamente R$ 8.000,00 (oito mil reais). Ainda alega o neto que ganhou a propriedade dos pais e não tem nada a ver com avó.
Diante de tudo isso, a filha mais nova, chocada com toda a situação busca uma solução jurídica para o caso.
Diante do exposto e sem analisar qualquer documento probante, passa-se à exposição do meu entendimento.

Considerações Preliminares

No intuito de melhor encontrar uma solução, faz-se necessário a abordagem de alguns pontos, até porque, pode-se oferecer mais de uma solução jurídica. A começar, impende transcrever os direitos do usufrutuário:

Art. 1.394 do CC – o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.

Nas palavras do doutrinador Ricardo Fiuza, “usufrutuário é o que detém os poderes de usar e gozar a coisa mediante sua exploração
[1].” E mais, segundo Sílvio Rodrigues,
“a transferência da posse é elementar ao usufruto, pois o usufrutuário, titular que é de um direito real exercitável diretamente sobre a coisa, tem, naturalmente, o mister de havê-la à sua disposição. [...] compete ao usufrutuário a percepção dos frutos, este é o seu principal direito e consiste na fruição da coisa, colhendo os frutos naturais ou civis por ela produzidos
[2].”

Desta forma, na hipótese de se considerar válida a doação realizada, o que se admite apenas por argumentação, é totalmente plausível que a avó do neto use o referido imóvel para perceber os frutos de um aluguel. Já é matéria solidificada na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais, que o usufrutuário, enquanto usufrutuário, tem direito aos frutos percebidos pelo uso de coisa alheia.
Agora, a de se analisar o instituto da doação, uma vez que, dos relatos narrados, visualiza-se a ocorrência de pelo menos duas doações. Em relação a primeira doação realizada pela mãe e pelo pai da consulente da consulente, sua revogação deveria ter sido pleiteada dentro do prazo de 1 (um) ano quando a consulente tomou conhecimento do fato e completou a maioridade. Analogia do art. 559 do Código Civil que trata do prazo decadencial para revogação judicial da doação.
Já em relação a segunda doação realizada, novamente sem anuência da consulente, passo a tecer as seguintes ponderações. Ambos os contratos de doações seguiram o rigor da Lei, foram realizados por escritura pública como prevê o art. 541 do Código Civilista. Por ser um ato de liberalidade do donatário, no segundo caso, uma liberalidade a avó e da mãe do neto, este contrato implica em certas obrigações.
No caso em tela, a doação realizada pela mãe do menor e pela avó possuía cláusula de reserva de usufruto, ou seja, o imóvel doado ao neto seria usado e gozado pelas usufrutuárias. Ao neto, cabia a obrigação de cumprir com os encargos da doação recebida, conforme prevê o art. 553 do Código Civil, in verbis:

Art. 553 – o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.

A doação efetuada era em benefício das próprias doadoras, por isso a cláusula de usufruto, e também, do interesse geral da família, pois todos queriam que a avó tivesse sendo amparada pelo neto. Entretanto, o neto passou a ser ingrato com sua avó, abandoando-a completamente. Inclusive, por se tratar de pessoa idosa, o neto descumpriu um preceito constitucional de amparar as pessoas idosas, dando-lhe dignidade e bem estar (art. 230, caput, da CF/88).
Nesse sentido, a legislação é tácita ao dispor a revogação da doação pela ingratidão cometida pelo neto em face da avó.

Art. 555 do CC – a doação pode ser revogada por ingratidão do donatário, ou por inexecução do encargo.

Ora, do caso narrado, é notório a insensibilidade e o desrespeito do neto ao valor ético-jurídico que a sociedade cultiva. A ingratidão está demonstrada. Nas palavras de Ricardo Fiuza, “a ingratidão é causa extintiva, superveniente, da doação, equivalente à revogação das liberdade do testador ou da deserdação do herdeiro legítimo” (FIUZA, 2008. p. 506).
Nesse sentido, transcreve-se a brilhante decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

AÇÃO DE REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO C/C PERDAS E DANOS - IMÓVEL DOADO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO PARA A DOADORA - DONATÁRIOS QUE SE MUDAM PARA O IMÓVEL, PASSANDO A AGREDI-LA MORAL E FISICAMENTE - INGRATIDÃO COMPROVADA - PROVA TESTEMUNHAL HARMÔNICA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO."Sendo a doação um benefício, claro é que, aceitando-a, contrai o donatário a obrigação moral de ser grato ao benfeitor, a quem se deve mostrar reconhecido. (...) Do ponto de vista jurídico, a gratidão é obrigação de não fazer assumida pelo gratificado, que deve se abster da prática de certos atos, que constituam desapreço e prova de ingratidão. Aí está a razão por que, em tal matéria, íntima é a relação entre o direito e a moral" (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1967, vol. 5, p. 139). (TJSC – AC. 2001.008202-0 de Capital. Rel. Orli Rodrgues. Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil, j. 04.09.2001) grifou-se.

CIVIL. AÇÃO DE REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO FULCRADA NA INGRATIDÃO. PROPRIEDADE DOADA AOS RÉUS ATRAVÉS DE ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO DE BENS IMÓVEIS COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO. TRANSFERÊNCIA DE VEÍCULO ASSINADA EM FAVOR DOS RÉUS. PRIMEIRO RÉU SOBRINHO DOS DOADORES, QUE SEMPRE PRESTOU SERVIÇOS GRATUITOS À AUTORA E SEU FALECIDO ESPOSO. ALEGAÇÃO DE QUE, APÓS A DOAÇÃO, OS RÉUS PRATICARAM ATOS QUE DESAGRADARAM À AUTORA. INGRATIDÃO NÃO COMPROVADA NOS AUTOS. ROL TAXATIVO PREVISTO NO ARTIGO 557 DO CÓDIGO CIVIL. ÔNUS DA PROVA DO DOADOR. AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE HOUVE VÍCIO DE CONSENTIMENTO NA ÉPOCA DA DOAÇÃO E DA TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.1. A REVOGAÇÃO da DOAÇÃO, prevista no artigo 555 do atual Código Civil só é autorizada quando comprovada nos autos a INGRATIDÃO dos donatários.2. As hipóteses previstas no rol do artigo 557 do CC são taxativas, e o ônus da prova cabe ao doador. (TJSC – AC 2009.006992-2 de Jaraguá do Sul. Rel. Marcus Tulio Sartorato. Órgão Julgador:Terceira Câmara de Direito Civil, j. 24.09.2009) grifou-se.

CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO. IMÓVEL DOADO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO PARA O DOADOR. SUPOSTOS VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO, EM FACE DA CONDIÇÃO DE ALCOOLISTA DO DOADOR. INCAPACIDADE RELATIVA DEMONSTRADA. DONATÁRIA QUE NÃO PRESTA OS DEVIDOS CUIDADOS AO DOADOR. INGRATIDÃO COMPROVADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Existindo prova inequívoca de que o doador não tinha capacidade de discernimento quando da realização da escritura de doação, em razão do alcoolismo, correta a anulação do negócio jurídico realizado."Sendo a doação um benefício, claro é que, aceitando-a, contrai o donatário a obrigação moral de ser grato ao benfeitor, a quem se deve mostrar reconhecido. Do ponto de vista jurídico, a gratidão é obrigação de não fazer assumida pelo gratificado, que deve se abster da prática de certos atos, que constituam desapreço e prova de ingratidão. Aí está a razão por que, em tal matéria, íntima é a relação entre o direito e a moral" (Washington de Barros Monteiro). (TJSC – AC 2007.062049-4 de Joinville. Rel. Luiz Carlos Freyesleben. Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil, j. 28.01.2010) grifou-se.

Com isso, torna-se nula Escritura Pública de doação com cláusula de usufruto pelos elementos constantes na narrativa em consonância com o disposto em lei. Sem esquecer de mencionar que é nula a doação realizada sob o único imóvel do doador, quando este não possui outro meio de subsistência:

Art. 548 do CC – é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.

Essa restrição imposta, só é afastada quando há reserva de usufruto vitalício e esse usufruto assegure ao doador os meios de sustento de vida, o que de fato, não se visualiza nos fatos narrados.
Por fim, em relação a alegação do neto, de que o mesmo gastou R$ 8.000,00 (oito mil reais) para reforma da edificação, quero lembrá-lo que conforme previsão legal do art. 1.402 do Código Civil – o usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto, ou seja, na lição de Paulo Nader, “quando a deterioração decorre do aproveitamento natural e regular da coisa, ao usufrutuário não cumpre indenizar ao proprietário
[3].” Conveniente mencionar também o que escreve Washington de Barros Monteiro:

“Como se sabe, há coisas que se danificam lentamente com o uso, como a mobilha de uma casa. Nesse caso, o usufrutuário não responde pelo desgaste natural, resultante do uso regular e ordinário. Ele só responde pelas deteriorações provenientes de culpa ou dolo
[4].”

No caso em tela, no momento da reforma a avó se encontrava na condição de usufrutuária e, além do mais, não provocou o desgaste do imóvel e com isso, não pode arcar com as despesas gastas pelo neto, que demonstra má-fé no deslinde do litígio que ele próprio provocou. Sendo assim, o neto não fez mais do que a obrigação de manter preservado o imóvel enquanto nu-proprietário.

Conclusão

Ante o exposto, entendo ser pertinente para o caso em tela, que seja revogada a última Escritura Pública de doação, uma vez demonstrada a ingratidão do donatário, devendo o imóvel retornar a propriedade plena da avó.

Este é o meu entendimento, salvo melhor juízo.

Blumenau, 24 de agosto de 2010.
Jelson Styburski
OAB/SC 8094-E

[1] FIUZA, Ricardo. Código Civil Comentado. 6º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.501.
[2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Direito das Coisas. v.5, 27º ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p 302,
[3] NEDER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v 4. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 455).
[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das coisas. v.3 37º ed. atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf.São Paulo: Saraiva, 2003. p. 308.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Modelo de defesa preliminar

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) DE DIREITO DA 4º VARA CRIMINAL DA COMARCA DE BLUMENAU – ESTADO DE SANTA CATARINA.




Autos de nº 00.000.000-0




FULANO DE TAL, já devidamente qualificado nos autos epigrafados, por meio de seu procurador firmatário, conforme procuração em anexa (DOC. 1), vem perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 394, II, c/c art. 396, caput, ambos do CPP, apresentar a seguinte DEFESA PRELIMINAR:

1 – SÍNTESE DOS FATOS

1.1 Narra a denúncia que no dia 10 de julho de 2010, por volta das 19h20min., no estabelecimento conhecido como ‘bar do Zé Formiga’, localizado na rua Xxxxxx, n. xx, bairro Centro, o denunciado FULANO DE TAL, enquanto saía com seu veículo: FIAT/UNO, ano 1997/1998, cor cinza, placa XXX0101 e RENAVAN 0101011, foi abalroado por outro veículo, um FIAT/UNO, ano 2000/2001, cor cinza, placa XXX0202 e RENAVAN 0202022, conduzido pelo Sr. BELTRANO, brasileiro, mecânico, portador do CPF n. 111.111.111.11, residente e domiciliado na rua Xxxx, n. xx, bairro Centro, cidade Blumenau/SC.
1.2 No momento do impacto, o veículo do ora denunciado foi arremessado contra a moto ONDA/GC, 1995/1994, cor preta, placa XXX0303 e RENAVAN 0303033, pilotada pelo Sr. CICLANO, brasileiro, solteiro, portador do CPF n. 333.333.333.33, residente e domiciliado na rua Xxxx, n. x, bairro Centro, cidade Blumenau/SC, vindo a ocasionar um acidente com lesões de natureza grave no motoqueiro.
1.3 No momento do acidente o denunciado acionou o corpo de bombeiros e a guarda municipal de trânsito para atenderem a ocorrência, conforme demonstra os documentos juntados com esta defesa (DOC. 3 – croqui da guarda de trânsito).

2 – RAZÕES DA DEFESA

2.1 Embora o veículo do denunciado tenha sido o que se chocou com a moto, não foi este que ocasionou o fato que desencadeou no acidente. Pelos laudos de trânsitos juntados é possível identificar que quem provocou o acidente foi o condutor do outro veículo o Sr. BELTRANO que conduzia em alta velocidade o FIAT/UNO, ano 2000/2001, cor cinza, placa XXX0202 e RENAVAN 0202022.
2.2 Excelência, no caso em tela, fica fácil identificar a falta de justa causa para o exercício da ação penal, uma vez que não há indícios suficientes que demonstre ser o denunciado o autor das lesões de natureza grave. Em não sendo o denunciado o autor dos fatos, a denúncia há de ser rejeitada nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal, medida esta que se impõem para fins de justiça e de direito.
2.3 Em havendo entendimento contrário de Vossa Excelência, na hipótese de não se acolher o pedido preliminar, será realizado pela defesa, em momento oportuno, as alegações finais.

3 – DOS PEDIDOS

3.1 Diante do exposto, requer o recebimento e a autuação desta com os documentos probantes que a acompanham, para fim de ver rejeitada a referida denúncia.
3.2 Requer, ainda, a inquirição das testemunhas abaixo arroladas, bem como a produção de todas as provas em direito admitidas, em especial pela inquirição das testemunhas abaixo arroladas.

Nesses termos, pede e espera deferimento.

Blumenau, 23 de agosto de 2010


Jelson Styburski
OAB/SC 8094-E

Direito Administrativo - respostas ao questionário

1 – No que consiste ‘função administrativa’?
Antes de tentar elaborar um conceito próprio para a ‘função administrativa’, vale apena transcrever a definição encontrada na doutrina. Transcreve-se:
“a função administrativa é o conjunto de poderes jurídicos destinados a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a promoção de direitos fundamentais, cujo desempenho exige uma organização estável e permanente e que se faz sob regime jurídico infralegal e submetido ao controle jurisdicional
[1].”
“função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todas a controle de legalidade pelo Poder Judiciário[2].”
“função administrativa entende-se o dever de o Estado atender ao interesse público, satisfazendo o comando decorrente dos atos normativos[3].”
Já no material elaborado pelo professor Jorge Lobe, pode-se encontrar o seguinte pensamento sobre ‘função administrativa’:
“exercício permanente, direto ou indireto, sob regime infralegal e submetido ao controle jurisdicional, de um conjunto de competências materiais ordenadoras (pelo qual regulamenta, fiscaliza e sanciona), prestacionais (prestação de benefícios por serviços) e regulatórias (que controla a atribuição privada de funções públicas), todas legalmente estabelecidas atribuídas às entidades federativas e que se distingue de suas atividades político-governativas (escolhas políticas primárias), legislativas (poder de criar normas de acordo com os procedimentos constitucionalmente estabelecidos) e jurisdicionais (poder de dar solução aos conflitos de direito dizendo o direito entre partes).”
Enfim, a função administrativa é um conjunto de poderes criados para atender os interesses essenciais da sociedade em que atua. Função de administrar da melhor forma os recursos e investimentos aplicados pelos órgãos da administração em geral.
2 – Existe ‘função administrativa’ exercida pelos poderes legislativo e judiciário. Justifique.
Sim. Existem situações em que as funções administrativas acabam sendo exercidas diversamente da atividade precípua. A função precípua do legislativo é criar leis, já o poder judiciário tem como função precípua aplicar a lei ao caso concreto. Entretanto, em determinadas situações, tais poderes acabem exercendo funções administrativas nas suas atividades. Como por exemplo, pode-se citar o art. 99 da CF/88 que prevê autonomia financeira e administrativa do Poder Judiciário.
Enfim, como descreve o texto disponibilizado no material do professor Jorge Lobe: “todos os poderes exercem função administrativa: Poder Judiciário, art.99 da CF/88; Poder Legislativo, art. 51, IV, e 52, XIII, da CF/88.”

3 – Discorra sobre a distinção entre ‘órgãos’ e ‘entidades’ no âmbito do Direito Administrativo.
Segundo Celso Antônio de Mello, “órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado,” (MELLO, 2008. p. 140). Já Márcio Fernando Elias Rosa entende que “órgãos públicos são, pois, centros de competência, ou unidades de atuação, pertencentes a uma entidade estatal, dotados de atribuições próprias, porém não dotados de personalidade jurídica própria.” (ROSA, 2010. p. 57). No material do professor Jorge Lobe, tem-se que “órgãos são núcleos organizacionais individuais ou coletivos criados por lei e dotados de competências e atribuições destituídos de personalidade jurídica, não sendo titular direto e imediato de direitos.”
Já a lei 9.784/99 – que regula o processo administrativo – traz em seu art. 1º, §2º, I, que:
I - órgão - a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta;
Entidades são pessoas de direito privado e que fazem parte da administração pública, ou seja, “entidade é dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo do Estado, criado, em geral, para o desenvolvimento de atividades assistenciais. Para ROSA as entidades fazem parto do chamado Terceiro Setor, assim escreve o doutrinador:
“O Terceiro Setor designa o conjunto de entidades privadas, dotadas de autonomia e personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, constituídas para o desenvolvimento de atividades sociais. (ROSA, 2010. p. 97).
A referida lei, 9.784/99, no art. 1º, §2º, II, define entidade como sendo:
II - entidade - a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica.

4 – O que é ‘poder de polícia’ no âmbito da Administração Pública?
Resumidamente pode-se dizer que o poder de polícia é uma “atribuição conferida à Administração Pública de impor limites ao exercício de direito e de atividades individuais em função do interesse público primário.” (ROSA, 2010. p 114). Ou, conforme se visualiza no material do professor Jorge Lobe o poder de polícia:
“constitui o poder-dever de limitar, nos termos de lei, aos interesses e atividades privadas em função do interesse público. Compreende a regulação, fiscalização e aplicação de sanções às atividades profissionais, empresariais e construções. Dotado de relativa discricionariedade (como liberdade acerca da conveniência e oportunidade do cometimento do ato), auto-executoriedade e coercibilidade (possibilidade de a própria administração decidir e impor sua decisão acerca de determinado fato).”
O art. 78 do Código Tributário Nacional traz a seguinte definição para ‘poder de polícia’:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

5 – Distinga Administração Pública Direta e Indireta.
Para Celso Antonio Bandeira de Mello, o direito público:
“se ocupa de interesses da sociedade como um todo, interesses públicos, cujo o atendimento não é um problema pessoal de quem os esteja a curar,mas um dever jurídico inescusável. É governado pela idéia de função,” já o direito privado, “se ocupa dos interesses privados, regulando relações entre particulares. É então, governado pela autonomia da vontade, [...].” (MELLO, 2008. p. 27).
Resumindo, nas palavras de Maximilianus Cláudio, o direito público “é o direito composto, inteira ou predominantemente, por normas de ordem pública. Direito privado é o composto, inteira ou predominantemente, por normas de ordem privada
[4].”
Para Carlos Roberto, citando ULPIANO, “direito público é o que corresponde às coisas do Estado; direito privado, o que pertence à utilidade das pessoas
[5].”
“A distinção entre Direito Público e Direito Privado é possível a partir da adoção de um critério de análise das relações jurídicas reguladas. No caso do Direito Privado, as relações jurídicas são equiparadas, ou seja, entre pessoas com prerrogativas equivalentes. No caso do Direito Público, as relações são desequiparadas pela presença do Estado, ou de quem atue com afetação ao interesse do Estado, no exercício de prerrogativas que por determinação legal expressa se sobrepõem aos interesses privados.” (disponibilizado no material de aula do professor Jorge Lobe).

6 – Discorra sobre conceito de Direito Administrativo.
Nas palavras de Marçal Justen Filho:
“direito administrativo é o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.” (JUSTEN FILHO, 2010. p. 1).
Já Celso Antônio Bandeira de Mello define o direito administrativo como “o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a desempenham.” (MELLO, 2008. p. 29).
Já o conceito adotado por Márcio Fernando Elias Rosa é que:
“o direito administrativo brasileiro, em síntese, pode ser entendido como o conjunto de princípios jurídicos que regem a atividade administrativa, as entidades, os órgãos, e os agentes públicos, objetivando o perfeito atendimento das necessidades da coletividade e dos fins desejados pelo Estado.” (ROSA, 2010. p. 15).
O prof. Jorge Lobe traz mais dois conceitos que valem a pena serem transcritos:
“Conceituação de Direito Administrativo – Inexistindo uma univocidade acerca do termo Direito, decorre que o termo Direito Administrativo também se presta a variações decorrentes das suas abordagens epistemológicas. Hely Lopes Meirelles define o direito administrativo como sendo “[...] conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente as finalidades do Estado”. A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro define o Direito Administrativo como “[...] o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a administração pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública”.

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5º ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2010. p. 39.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25º ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Malheiros Editores, 2008. p. 36.
[3] ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo – coleção sinopses. 11º ed. reform. – São Paulo: Saraiva, 2010. p. 15.
[4] FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de direito civil. 38º ed. atual. – São Paulo: Editora Malheiros Editores, 2009. p. 16.
[5] GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. v.1 - 3º ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8.

Algumas prerrogativas (privilégios) enumeradas no CPC em relação à Administração Pública

Prazos dilatados
Art. 188, CPC
Prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer quando for parte Fazenda Pública ou MP. Segundo Marinoni, (2008, p. 209) “entram no conceito de Fazenda Pública a Administração Pública centralizada (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e alguns entes que compõem a Administração Pública descentralizada (autarquias e fundações públicas).” As empresas públicas (STJ – REsp. 760.706/RS, j. 19.10.2006) não ingressam no conceito de Fazenda Pública, como também, as sociedades de economia mista e os entes de cooperação administrativa (serviços sociais autônomos e organizações sociais) (STF, AgRg no Ag 349.477/PR, j. 11.02.2003). Agora, também decidiu o STF que os Correios considera-se Empresa Pública (STF, AgRg no Ag 243.250/RS, j. 23.04.2004).
Reexame Necessário/Duplo grau de jurisdição
Art. 475, I e II, CPC
As sentenças proferidas contra a União, o Estado, o DF e o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito pública, estão sujeitas ao reexame necessário da matéria. Inclusive, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, independente de ser interposta apelação (art. 475, §1º, CPC). Agora, se o valor da condenação não exceder a 60 salários mínimos, há a dispensa do reexame necessário (art. 475, §2º, CPC).
Despesas judiciais/Dispensa de pagamentos antecipatório das despesas processuais
Art. 27, CPC
Segundo a doutrina, este dispositivo só incide à Fazenda Pública, quando esta atua no processo desempenhando atividade meramente fiscalizatória. Sendo parte, submete-se ao regime geral do art. 19, CPC[1]. “a Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita ao depósito prévio dos honorários do perito” – Súmula 232 do STJ.
Despesas judiciais/Dispensa de depósito prévio para o ajuizamento
de ação rescisória
Art. 488, parágrafo único, CPC
A parte que propõe ação rescisória tem de efetuar depósito prévio de 5% sobre o valor da causa. A União, os Estados e os Municípios não estão obrigados a efetuar tal depósito segundo parágrafo único deste artigo.
Despesas judiciais/Dispensa de prepara para os recursos
Art. 511, §1º, CPC
Segundo Misael Montenegro Filho, “a regra isencional é confirmada na hipótese de o recurso (independente da espécie) ser interposto pela Fazenda Pública (União, Estados, Municípios, DF, Territórios, autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”)[2]. Já Marinoni escreve que “as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais estão isentas de preparo”, (art. 1º-A, Lei 9.494/97 (Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências). Art. 1o-A. Estão dispensadas de depósito prévio, para interposição de recurso, as pessoas jurídicas de direito público federais, estaduais, distritais e municipais. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
Despesas judiciais/Fixação dos honorários advocatícios
Art. 20, §4º, CPC
Nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoantes a apreciação equitativa do juiz, observado o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço e a natureza e importância da causa. É um tratamento privilegiado conferido à Fazenda Pública, pois poderá ter condenação de honorários em percentual inferior ao aplicado. A título de conhecimento, Súmula 185 do STF – “em processo de reajustamento pecuniário, não responde a União pelos honorários do advogado do credor ou do devedor.”

Informações à título de conhecimento
Representação processual
Art. 12, I, CPC
A União, os Estados, o DF, os Territórios e os Municípios devem ser representados por seus procuradores.
Competência de foro especial
Art. 99, I, CPC
Refere-seque é competente o foro da Capital do Estado em que a União for autora, ré ou interveniente. Lembrando, que a CF em seu art. 109, I da CF determina a competência da Justiça Federal.
Intimação pessoal/Intimação da Fazenda Pública na execução fiscal
Art. 25 da Lei 6.830/80
Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Art. 25 - Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente.
Parágrafo Único - A intimação de que trata este artigo poderá ser feita mediante vista dos autos, com imediata remessa ao representante judicial da Fazenda Pública, pelo cartório ou secretaria.
Efeitos da revelia/Direitos indisponíveis
Art. 320, II, CPC
Segundo Marinoni, “o direito da Fazenda Pública, quando arrimado em interesse público primário”, (2008, p. 325-326) não sofre os efeitos materiais da revelia (presunção de veracidade). No mesmo sentido escreve Montenegro Filho que “a indisponibilidade do direito em disputa marca as ações propostas contra a Fazenda Pública.” (2008, p. 397).
Intervenção
A União pode intervir nas causas de seu interesse sem necessidade de provocação.
Art. 5º da Lei 9.469/97
Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.

[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p 123.
[2] MONTENEGRO FILHO, Misael. Código de processo civil comentado e interpretado. 1º ed. – 2º reimp. São Paulo: Atlas, 2008. p 567.