quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

PARECER TÉCNICO JURÍDICO
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. OBRIGAÇÃO DE PAGAR DESPESA EXTRAORDINÁRIA. SETENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. DEVER DO CONDÔMINO ATUAL DE CONTRIBUIR.
1. Analisando, especificamente, o relato dos fatos trazidos, tem-se que, é dever do condômino atual contribuir com as despesas extraordinárias impostas ao condomínio. Aplicação do art. 1.336, I, e art. 1.345, ambos do Código Civil combinado com art. 12 da Lei n. 4.591/64.
2. Caberá ação de regresso se provado a má-fé do antigo vendedor ou se houver previsão expressa no contrato de compra e venda. Pode-se também, comprovar existência de vícios redibitórios.


Relatório

Conforme relato, em março de 2009 o Sr. José Soró, casado com Eli Soró, adquiriu do Sr. João Doti, um imóvel em condomínio edilício, e este já havia adquirido, em 2008, de Pedro Sortre, que adquiriu da Construtora Maruza Ltda, em 2003. Em 2004 houve um incidente no condomínio com o funcionário da segurança, onde este disparou arma de fogo, vitimando Lúcio Joly, que veio a óbito. Agora em 2010 o Condomínio foi condenado em uma indenização no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em favor da família da vítima.
Dito isso, o consulente pergunta:
I – quem arcará com a indenização?
II – poderá o Sr. José Soró intentar ação de regresso em face do proprietário da unidade em condomínio edilício ao tempo do fato que ensejou a indenizatória?
Diante do exposto, sem analisar documentos da relação e sem observar maiores detalhes, passa-se à exposição do parecer:

I - Nota-se, no caso em tela, tratar-se de despesa de condomínio firmada em 2010 por sentença condenatória transitada em julgado. Tal sentença condenou o condomínio a pagar uma indenização referente ao delito ocorrido no ano de 2004. Não se busca aqui verificar a data do ilícito penal, mas sim, quem arcará com esta despesa extraordinária fixada através de sentença, que provavelmente, analisou o mérito da responsabilidade do ilícito penal. Aqui é nítido que a despesa se fixou em 2010 e será rateada em conformidade com a quota-parte de cada condômino atual.
Prevê claramente o art. 1.336, I, do Código Civil, in verbis:

Art. 1.336 - São deveres do condômino:
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção.
Art. 1.345 – O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros.

Dispositivo este encontrado também no art. 12 da Lei especial 4.591/64:

Art. 12 - Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

É o primeiro dever do condômino pagar pelas despesas por meio da contribuição condominial que será recolhida na proporção da quota-parte e de acordo com previsão da convenção do condomínio.

Trata-se aqui de obrigação real de natureza propter rem que passa a pesar sobre quem é o titular do imóvel. A doutrina ensina que,
“ao adquirir uma unidade condominial, cabe ao comprador a responsabilidade de saldar os débitos da unidade que comprou, se existirem, uma vez que o vínculo se estabelece não com uma pessoa determinada, mas com quem quer que seja titular daquele direito real[1].”
E ainda,

“obrigação propter rem é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, titular do domínio ou de detentor de determinada coisa[2].” Logo, “o adquirente responderá por obrigação propter rem, que se liga ao titular do imóvel ainda que seja promitente comprador[3].”
Nesse Sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “as cotas condominiais, [...], situam-se como obrigações propter rem, ou seja, obrigações reais, que passam a pesar sobre quem é o titular da coisa; se o direito real que a origina é transmitido, as obrigações o seguem, de modo que nada obsta que se volte a ação de cobrança dos encargos condominiais contra os proprietários[4].” Grifou-se.
Colhe-se entendimento de julgado:

DIREITO CIVIL. DESPESAS DE CONDOMÍNIO. PROMITENTE VENDEDOR. TRANSMISSÃO DA POSSE ANTERIOR AO PERÍODO DA DÍVIDA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO PROVIDO. I - O promitente comprador é parte legítima para responder pelas despesas condominiais se a dívida se refere a período posterior à celebração do contrato de promessa de compra e venda, ainda que não registrado, havendo legitimidade do promitente vendedor somente se o débito cobrado se referir a data anterior à do contrato. II - Tendo o promitente vendedor transferido a posse dos imóveis em data anterior ao período da dívida, mediante compromisso de compra e venda, não detém ele legitimidade para responder à ação de cobrança das despesas de condomínio. (STJ - REsp. 258382. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Órgão Julgador: Quarta Turma, DJ 25.09.2007). Grifou-se.

In casu, como não está mencionada a existência de contrato de compra e venda, cabe ao atual possuidor do imóvel contribuir com esta despesa extraordinária que só veio a se confirmar em 2010.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em julgamento da apelação cível n. 1999.005700-3, entendeu que o dever de pagar as cotas condominiais é obrigação real, intimamente ligada à qualidade de proprietário. A Ementa desse julgamento traz AÇÃO DE COBRANÇA. COTAS CONDOMINIAIS RELATIVAS AO PERÍODO ANTERIOR À AQUISIÇÃO DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE DO ATUAL PROPRIETÁRIO. RECURSO DESPROVIDO[5]. Grifou-se.

Mesmo que, no caso sob análise não se busca questionar cotas atrasadas, tais fundamentos descritos visam concretizar a idéia do dever inerente ao condômino de contribuir para com a despesa extraordinária fixada em 2010, período em que o consulente é possuidor do referido imóvel e, está no direito de usar, fruir e dispor de sua unidade condominial.

Para melhor compreensão, transcreve texto de Francisco Eduardo Loureiro ao comentar o dispositivo do art. 1.345 do Código Civil, texto este, redigido sob a coordenadoria do Ministro César Peluso:

“Pense-se na hipótese de uma repetição de indébito ajuizada pelo condomínio, ou uma ação de reparação de danos por vício de construção contra a construtora, por fato anterior, cujo pagamento, porém, seja feito em data posterior à alienação. A interpretação deve ser simétrica, transferindo o alienante ao adquirente todos os direitos incidentes sobre a coisa, salvo convenção em sentido contrário[6].” Grifou-se.

Fazendo uma analogia ao caso relatado e ao comentário transcrito acima, mesmo que o ilícito penal tenha ocorrido em data anterior a transferência do imóvel, gerando um despesa extraordinária que será paga em data posterior, essa obrigação de contribuir cabe ao condômino atual que adquiriu todos os direitos e deveres sobre a coisa.

Com isso, respondendo ao primeiro questionamento, essa despesa extraordinária, imposta em 2010 ao condomínio, será rateada entre todos os condôminos atuais através da contribuição quota-parte atribuível a cada unidade no sentido de garantir o equilíbrio econômico e financeiro do todo.

II - Em relação ao segundo questionamento, sobre o direito de regresso, a legislação do condomínio edilício é omissa. Aplicando-se subsidiariamente o disposto no art. 1.318 do Código Civil (que trata do condomínio em geral), cabe ação de regresso, quando o novo adquirente pagar débitos anteriores. Ora, indaga-se: existia débitos/despesas antes de março de 2009 (momento em que o consulente adquiriu o imóvel)?

Do relato trazido, não se verifica a existência de despesas anteriores ao momento em que ocorreu a transferência do imóvel para o consulente. Sendo assim, não caberá ação regressiva.

Indaga-se ainda: em que momento se caracterizou o débito/despesa para o condomínio?
Dos fatos, é notório que o surgimento da despesa extraordinária se concretizou com a sentença condenatória em face do condomínio transitada em julgado somente em 2010.

Buscando chegar a uma conclusão coesa, utiliza-se, no caso, hipóteses que poderão ser previstas. Observa-se:

Primeira hipótese prevista no art. 934 do Código Civil:

Art. 934 – Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Ora, no caso, os antigos condôminos que transferiram o imóvel não foram responsáveis pelo dano causado, pois a conduta fora pratica por funcionário do condomínio. Conduta esta, que somente agora em 2010 foi responsabilizada e apurada.

É óbvio que, se comprovar que a transferência do imóvel se deu de forma irregular ou eivada de má-fé[7] dos proprietários, poderá o novo adquirente obter sucesso em ação regressiva contra os condôminos anteriores. Repita-se, o parecer técnico elaborado está restrito as informações dos relatos colhidos.

A doutrina explica que o comprador poderá mover ação regressiva contra vendedor quando se referir sobre débitos anteriores. Transcreve-se: “o comprador pode agir regressivamente em face do vendedor, com fundamento no vertente dispositivo, em razão de débitos anteriores que é obrigado a suportar em razão de sua propriedade ou de ser titular do bem[8].” Comentário feito pela doutrina ao discorrer sobre o art. 502[9] do Código Civil. Desta forma, para melhor orientar o consulente, faz-se necessário analisar as cláusulas contratuais do respectivo contrato de compra e venda.

A segunda hipótese é encontrada no art. 441 do Código Civil:

Art. 441 – A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Caso não seja possível ter acesso ao contrato de compra e venda, e, ficar difícil de provar que houve má-fé dos antigos condôminos, pode-se ingressar com ação de regresso utilizando como fundamento, vícios redibitórios, ou seja, que o imóvel fora adquirido com vício oculto, acarretando prejuízo ao novo adquirente. Com isso remanesce a responsabilidade do alienante pelo vício pré-existente. Dispõem o Código Civil ainda:
Art. 444 – A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

E mais, se provar que os condôminos conheciam do vício deixando de informar ao novo adquirente, estes poderão restituir os valores pagos mais perdas e danos. Se, no momento da transferência, ficar provado que desconheciam, poderão restituir o valor recebido pela venda do imóvel
[10].

Conclusão

Diante disso, analisando somente o relato, conclui-se que José Soro tem o dever e obrigação de contribuir com a despesa extraordinária incumbida ao condomínio em 2010. Ao que se refere sobre o direito de regresso, necessário se faz, colher maiores detalhes para, dependendo da realidade, orientar o melhor caminho para propositura de tal ação.

Este é o parecer.


Blumenau, 25.02.2010

Jelson Styburski


[1] FIUZA, Ricardo. Código Civil comentado. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p 1434.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. v II. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p 11.
[3] FILHO, Lair da Silva Loureiro e SCAVONE JR, Luiz Antonio. Comentários ao código civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p 1.345.
[4] REsp. 846187/SP. Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa. Órgão Julgador: Quarta Turma, DJ 09.04.2007.
[5] Apelação Cível n. 1999.005700-3, de São José. Rel. Carlos Prudêncio. Órgão Julgador: Primeira Turma, j 27.03.2001.
[6] LOUREIRO, Francisco Eduardo. Coordenador: Min. César Peluso. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 2 ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008. p 1334.
[7] Art. 422 do CC – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em seua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[8] GALIZA, Cássio e SCAVONE JR, Luiz Antonio. Comentários ao código civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p 847 - 848.
[9] Art. 502 do CC – O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.
[10] Art. 443 do CC – Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.